No último sábado, 8 de fevereiro, o fotojornalista da Folha de S.Paulo, Joel Silva, participou de um bate-papo sobre fotografia em zonas de conflito ocorrido no Sesc Pompéia (SP). Durante o evento, ele contou um pouco sobre sua experiência profissional, sobre os riscos dessa função, e apresentou o trabalho que realizou em meio aos conflitos armados.
Há 20 anos trabalhando no grupo Folha, Joel já passou por diversas situações de conflito, nas quais podemos ressaltar: a vez em que acampou com os guerrilheiros das FARC, na Colômbia; quando cobriu o golpe militar em Honduras, na América Central; e seus registros durante a ocupação do Morro do Alemão, no Rio de Janeiro. Nos últimos anos, tem se dedicado à cobertura da Primavera Árabe no Cairo (Egito) e na Líbia. Recentemente passou três meses no Oriente Médio, como correspondente da Folha.
Início de carreira
Após concluir um curso de dois anos de fotografia Escola de Artes Bauhaus, já com 28 anos, Joel pediu demissão da empresa onde trabalhava e se tornou fotógrafo: com um canudo em uma mão e uma câmera 50 mm na outra. Nessa época, resolveu bater na porta da sucursal da Folha em Ribeirão Preto (SP) e pedir emprego. A condição para isto, dada pela editora responsável pelo setor, era que ele entregasse uma foto boa. Passados 15 dias, um vendaval destruiu toda a cidade. Apesar de estar cheio de dívidas naquele momento, Joel viu ali uma oportunidade e resolveu ir até o aeroclube do aeroporto de Ribeirão Preto e com um rolo de filme emprestado de um amigo e um talão de cheques, conseguiu negociar um sobrevoo pela cidade. No total fez 15 chapas, o que era suficiente para a escolha de uma foto boa. No mesmo dia levou o filme para a editora da sucursal da Folha, que acabou pagando o voo e lhe oferecendo também um bom valor pelo freela, o que lhe permitiu pagar os aluguéis atrasados. Vinte dias depois foi aberta uma vaga de fotógrafo no jornal, recordando das fotos do Joel, a editora o convidou neste veículo de comunicação.
Preparando-se para fazer a cobertura de uma guerra
Antes de ir para a guerra, Joel fez vários cursos técnicos e táticos. Neles participou de palestras sobre direito internacional ministradas por advogados, representantes da ONU e da Cruz Vermelha. Além disso, aprendeu os seus direitos e deveres em regiões de conflito. É fundamental para os futuros fotojornalistas participarem desses tipos de cursos, pois, segundo ele, “você precisa saber quais são os procedimentos quando está em uma zona de conflito”.
O fotojornalista da Folha ainda fez cursos no exército da Argentina; no brasileiro, onde aprendeu técnicas de sobrevivência na Selva; e ainda no israelense, que, na opinião de Joel, é o melhor exército do mundo, apesar de não ser o maior.
“Nos cursos táticos, você participa de treinamentos do exército e acompanha tiroteios, explosões de granada, mas sem colocar a mão em armas, pois o jornalista não pode colocar, em momento algum, as mãos em armas. Vocês nunca irão ver um correspondente de guerra sério posando com armas”, adverte, ressaltando que isso pode interferir na credibilidade e isenção do jornalista no conflito.
Joel sublinha que dentro dos vários ensinamentos que teve nesses cursos, um dos principais foi o de aprender o que pode tirar alguém de uma situação de risco: a calma. “Fui pego por 12 jagunços na Bahia em 2011. Me tiraram do carro, apontaram uma escopeta na minha cabeça e me jogaram no chão. O que me tirou dali, foi a minha calma e o meu silêncio. Respondi somente o que perguntavam. Quanto mais silêncio você fizer, mais calma você vai transmitir para o sequestrador.”
O profissional da Folha afirmou também que é necessário distinguir entre o medo e o pânico. “É o medo que te pauta, mas entre ter medo e entrar em pânico, são duas situações diferentes.”
Outra recomendação para quem pretende ir para uma zona de conflito em um outro país é “primeiro colocar no celular o telefone do embaixador, se possível o celular dele e o telefone da embaixada”, pois “numa eventual necessidade, você liga para ele. Segundo, perguntar para o hotel no qual você ficará hospedado se ali é oferecido tratamento médico”.
Cobertura da Primavera Árabe
O local onde mais trabalhou nesses últimos anos foi fazendo a cobertura da Primavera Árabe, que teve início na Tunísia, migrou para o Cairo e de lá foi para a Líbia. Na época, durante essa transição, Joel pediu para que seu chefe na Folha de S.Paulo o enviasse para Líbia, o que aconteceu dois dias depois.
Assim que chegou no país do Oriente Médio, o fotojornalista contratou um fixer, que é um profissional que serve como guia, segurança e tradutor dos jornalistas que atuam no Oriente. Normalmente o fixer fala inglês e o idioma local. Além disso, muitas das vezes, ele já integrou o exército do país e conhece as táticas militares. “É ele que irá lhe levar para os lugares, te dará informações e você terá que confiar nele”, explicou.
Segundo Joel Silva existem duas maneiras de cobrir uma guerra. “A primeira é sozinho, contratando um fixer, um motorista e indo por sua conta e risco. E uma outra é você procurar o comando e dizer que é jornalista e quer acompanhar a ação militar. Quais são as diferenças? Quando você está sozinho, você está isento. Quando você vai com o exército, ele te leva onde ele quer que te mostrem as coisas. Você está limitado.”
Parafraseando o filósofo grego Ésquilo, Joel afirmou que “a primeira vítima de uma guerra é a verdade. E nós, como fotógrafos de guerra, descemos ao porão da sociedade e levamos à luz aquilo que ela muitas vezes não quer ver. Mas temos que tomar cuidado para não sermos contaminados”.
Joel concluiu sua palestra com uma palavra de incentivo às novas gerações de fotógrafos, ressaltando que “o mercado não está fechado, não é restrito. Nós lidamos com um elemento chamado notícia, que é gratuita, está aí na rua. É como uma grande pescaria. Os peixes estão ali, é só lançar a isca. Quem trouxer o melhor peixe, ganha”.
Por Emílio Portugal Coutinho
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