Lembro que, logo no primeiro ano de faculdade, a professora nos indicou um livro para que lêssemos e fizéssemos uma resenha. Era um livro intitulado “A Vida que Ninguém Vê”. Um livro até então totalmente desconhecido por mim, escrito por uma jornalista e escritora chamada Eliane Brum. Conhecem?
Foi a primeira vez que me deparei com uma forma diferente de escrever a notícia e de fazer uma reportagem. Até então o que eu conhecia eram as famosas matérias da televisão e das grandes reportagens de jornais.
Bom, para quem ainda não teve a oportunidade de ler esse livro, saibam que ele é composto por uma coletânea de reportagens sobre pessoas desconhecidas da sociedade, que talvez jamais fossem notícia em grandes telejornais, ou em jornais impressos de grande circulação. Pessoas que talvez passassem despercebidas, não fosse a sensibilidade e a abordagem diferente de Eliane na hora de contar as histórias destas pessoas.
Ok. Deixando o conteúdo do livro de lado (afinal, não quero ter de fazer outra resenha), vou tratar do que interessa.
Já nos primeiros dias da faculdade de jornalismo, começamos a aprender sobre as técnicas da reportagem, sobre o famoso lead, a mais famosa ainda pirâmide invertida e aquelas seis perguntinhas básicas que não podem faltar em uma matéria: o que, quem, quando, onde, como e (ufa!) por quê. Alguns semestres mais tarde, aprendemos também a como se comportar na televisão. Sim, temos até lição de “boas maneiras” em frente às câmeras. O jornalista tem de segurar o microfone desse jeito. O jornalista tem de se vestir desse jeito. O jornalista não pode se mexer muito senão fica estranho. O jornalista tem de usar sempre o mesmo tom de voz. A jornalista não pode ter o cabelo muito longo. E por aí vai.
No início, parecia um tanto chato ter de se preocupar com tantas coisas. Afinal, o que realmente importava, ou seja, a história a ser contada, parecia ficar sempre em segundo plano devido à rapidez com que a notícia/reportagem (qualquer que fosse) precisava ser divulgada, ou ainda, devido ao tamanho do espaço (milimetricamente contado) que a matéria poderia ocupar nos jornais impressos. Na verdade, tudo isso continua um tanto chato, pois nada mudou e ainda temos de nos preocupar com tudo isso.
Quanto à televisão, nunca me conformei com essas regras todas. Estou sempre pensando e questionando o porquê de termos que fazer assim ou assado. Por quê? Parece até que o jornalista não pode ter vontade própria e não pode nem cogitar a ideia de ser diferente, ou de fazer algo de uma forma diferente. Bom, são coisas da televisão, creio eu. Na verdade, prefiro dizer “vícios da televisão”. Vícios tão grandes que se espalham por todas as emissoras. O canal muda, mas os jornalistas parecem todos iguais, salvo algumas exceções. E isso é chatíssimo, sério.
Não estou aqui criticando as faculdades ou as empresas jornalísticas, pois já sabemos que isso é um modelo criado há muito tempo e que é preciso mais tempo ainda, e mais vontade (principalmente), para que algo mude efetivamente. Só levanto aqui a bandeira de que uma nova forma de se fazer jornalismo também é possível. Uma forma mais humanizada, assim como as belas histórias que Eliane conta em seu livro. E, por que não começar essa mudança pelas próprias universidades?
Esse exemplo do livro da Eliane Brum, que utilizei no início do meu texto, pode se estender a todos os outros meios. Os jornalistas não precisam ficar estáticos em frente à câmera. Os âncoras não precisam endurecer na bancada do telejornal, com medo de olhar para o lado. O jornalista não precisa se prender a um texto endurecido pelas regras do lead. Aliás, os leads e as pirâmides invertidas da vida podem muito bem serem deixados de lado sem que o jornalismo perca a sua essência, a de contar histórias.
Bem, vale a reflexão.
Por Rafaela Lorenzon
Perfil do Autor
Estudante de jornalismo, quase formada. Não consegue se acostumar com os padrões do jornalismo atual, mas (ainda) acredita nele como uma forma de melhorar este mundo em que vivemos.
Parabéns pelo belo texto Rafaela.
Valeu Alexandre!! 😉
Adorei o texto Rafaela =)
Parabéns Rafaela.
Eu, como estudante de jornalismo, também compartilho da sua opinião.
É tão bom ler alguma reportagem e se sentir atraído, envolvido nela. Identificar nela todas as ligações com outros tipos de discursos, até o mesmo literário etc fugindo dessa forma distante e impessoal que o ‘lead’ proporciona…