Nesses últimos dias, parei meus afazeres para relaxar um pouco assistindo a uns filmes. Quando estava fazendo uma seleção, me deparei com o “O Âncora – A Lenda de Ron Burgundy”, e resolvi assisti-lo, até mesmo por curiosidade, pelo fato de ser considerado um filme, digamos, “cult” pela crítica, apesar de ser mais um daqueles “pastelões” que satirizam o jornalismo.
O longa-metragem, dirigido por Adam McKay, estrelado por Will Ferrel, na pele de Ron Burgundy, narra a história de um conhecido e premiado âncora de um telejornal matutino da década de 1970 que deseja manter seu posto a todo o custo, passando sempre ao público uma imagem exemplar, sendo aclamado pela população de San Diego, no sul do estado da Califórnia, nos Estados Unidos, que o venera e respeita como um profissional da comunicação.
Entretanto, com a chegada de uma nova jornalista à redação, Veronica Corningstone, a vida de Ron começa a virar do avesso, e o personagem acaba oscilando entre momentos de ódio e amor pela profissional, que mantêm acima de tudo a seriedade a fim de conseguir a tão sonhada vaga como apresentadora do jornal, mesmo tendo um conturbado caso amoroso com Burgundy.
De certa forma, o filme pode ser extremamente cômico e fazer as pessoas rirem alto com cada trapalhada dos personagens, mas no geral, não retrata nem um pouco a rotina de uma redação séria de jornalismo, a começar pelo fato de satirizá-la com as brigas “infantis” entre Ron e Veronica, que destoam completamente do cenário real da profissão e distorcem o coleguismo que deve existir em uma redação de jornal.
Outro ponto a ser levado em consideração é a falta de interação do âncora com a rotina, bem como com as notícias que corriam pela redação. Era possível ter uma ideia da tamanha falta de seriedade e irresponsabilidade de Burgundy, sendo o apresentador mais respeitável de San Diego, durante as reuniões de pauta, onde, ao invés de ser participativo, criava casos banais e sem relevância alguma.
É nessas horas que, como profissionais à frente de uma redação, precisamos dar bons exemplos à mesma, demonstrando a determinação e o interesse pelas notícias, sendo participativo e auxiliando os demais colegas na apuração e análise dos fatos.
Em nosso meio, o coleguismo (como havia citado acima), é uma das bases mais consistentes da relação entre os profissionais de comunicação, pois não existe outra profissão em que precisamos da cooperação de todos à nossa volta como a nossa, para que a matéria venha a acontecer e ser colocada no ar.
A falta de atenção e conhecimento daquilo que seria tratado no jornal também não pode deixar de ser mencionado. Ron, em momento algum do longa, pegava as laudas do programa para lê-las antes de entrar ao vivo. Tudo bem, a questão da oratória é um ponto a favor do apresentador, mas a improvisação na hora de fazer as leituras das matérias foi o que deixou a desejar. Em uma cena do filme, Veronica chega a sacanear Burgundy mudando as palavras finais do teleprompter, trocando a tradicional frase de encerramento do jornal “continue sempre linda, San Diego” por “vá a…, San Diego”. Claro, a conduta dela também não é a das melhores, mas o pior mesmo é você, assim como Ron, cometer tal erro. Dar uma informação equivocada, distorcida ou fazer igual ao que Corningstone fez, chega a ser completamente inadmissível. Falta de prudência e ética profissional de ambas as partes. Sem comentários.
E quando Veronica teve de apresentar o jornal no lugar de Burgundy? Foi engraçado assistir a reação do âncora ao ver seu jornal sendo ancorado por ela, mas se fosse na vida real, a atitude dele para com Corningstone seria extremamente ridícula, pois sua falta de consideração pela jornalista, que teve que substitui-lo (e que ansiava em um dia apresentar o jornalístico), foi absurda. O personagem de Will Farrel está de parabéns no quesito sem noção, porque olha, se tudo isso fosse colocado em prática dentro de uma redação, garanto que não só ele, mas como toda sua equipe atrapalhada, perderia a cabeça em um piscar de olhos.
Apesar de tudo isso, o filme levantou uma questão interessante e que faz parte da história do jornalismo. Até então, como narrado naquela época, apenas os homens é quem possuíam cadeira cativa para ancorarem o telejornal. Predominava aquele velho e depreciativo machismo nas redações. Mas com o passar dos anos, as mulheres foram conquistando seu espaço no jornalismo, ganhando mais liberdade e autonomia. Embora aquele preconceito imperasse em existir (fator observado no filme), é possível ter uma ideia de que naquele tempo, tudo estava passando por transições e todos tiveram que se readequar para melhor desempenharem suas funções.
É claro que essa não é uma crítica ao filme, mas sim a postura dos personagens em relação ao jornalismo, visto como a razão ou mote para a história acontecer, mas não levado a sério como pensam os menos informados.
O longa-metragem em si é uma comédia hilária, “nonsense”, de rir do começo ao fim e muito bem produzida. Contudo, não deixa de ser um exemplo daquilo que não se deve ser feito em uma redação, pois a ética – inexistente em todo o filme – é imprescindível, assim como o respeito ao lugar e aos colegas que compõem uma redação de jornalismo.
Por Leandro Massoni.
Perfil de Leandro Massoni
Leandro Massoni é graduado em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Paulista – Unip, desde 2012. Sua primeira experiência na área foi como estagiário de produção da Revista Eletrônica Domingo Espetacular, da Rede Record. Atualmente, é jornalista e repórter de uma agência de notícias católicas, e estuda locução na Radioficina.