Ocorreu na noite desta quarta-feira, 21 de março de 2018, no campus Morumbi do FIAM-FAAM Centro Universitário, um debate sobre o Novo Manual de Redação da Folha de S. Paulo. O evento contou com a participação de Vera Guimarães, ex-ombudsman do jornal, que contou os detalhes e esclareceu dúvidas sobre o Manual.
Vera iniciou sua exposição contando que foram necessários vinte e cinco meses e uma comissão formada por quatro jornalistas (incluindo ela) para a elaboração do Manual, que é o quinto lançado pela Folha. A última atualização foi lançada em 2001, antes da ascensão das redes sociais.
O novo Manual foi dividido em quatro partes. A primeira, descrita como “Folha”, mostra a parte institucional da empresa. A segunda parte, “Atuação Jornalística”, Vera descreveu: “essa é uma parte mais pé na lama, que é a atuação jornalística. Então tem um capítulo que é o Manual de conduta, como você deve se conduzir como profissional e pessoalmente. E de produção jornalística”. Ainda sobre o segundo capítulo do livro, a jornalista comentou: “É um Manual que se você nunca trabalhou em jornal na vida, ele vai te dar as dicas de como as coisas funcionam”.
As regras sobre língua portuguesa, dicas de estilo de escrita e padrões adotados pela Folha foram descritos na terceira parte do Manual, chamada “Texto”. O último bloco, intitulado “Anexos Temáticos”, serve para orientar o jornalista sobre a reportagem de determinado tema, como religião, saúde, política, etc. “Religião é uma coisa que a gente confunde, a gente realmente não sabe. Aí a gente vai falar de evangélicos, e fala que ‘a missa do evangélico’… não, não, não… esse é o tipo de coisa que é sobre a prática”, exemplificou Vera.
Novos capítulos
A publicação da Folha traz duas novidades: o Manual de Conduta e Procedimentos para a Produção de Reportagens. A jornalista contou: “esse Manual de Conduta, que é o que deu mais barulho, ainda está dando um pouco, mas nem tanto, porque ele trata de redes sociais. Esse é o primeiro Manual feito depois do advento das redes sociais, e ele sai em uma hora que a gente está descobrindo que rede social não é exatamente um paraíso”.
Vera esclareceu que há muitas dificuldades enfrentadas pelos jornalistas e pelos jornais decorrentes da exposição nas redes sociais: “para nós – jornalistas -, pode ser um lamaçal”, contou. “A gente acha que jornalista é igual a todo mundo, e não é, eu sinto informar isso para vocês, mas não é. O espaço de opinião deles é bem menor. Não dá para você achar que vai falar o que quer e que será encarado profissionalmente como os outros”, comentou.
“O patrimônio do jornalismo é a credibilidade. E o jornalismo com credibilidade você consegue escrevendo ‘by the book’, como deve ser, direitinho, respeitando as regras o máximo possível, para cometer o menor número de erros possíveis”, prosseguiu Vera, ao explicar que o Manual existe para que os jornalistas sigam corretamente as técnicas, e assim cometam a menor quantidade de erros possíveis e tentem manter a sua credibilidade.
Vera enfatizou que não há uma fórmula exata para que só existam acertos na profissão de um jornalista, e que há muitos dilemas éticos para os quais não se tem uma resposta correta, e sempre haverá críticas. Cada caso deve ser tratado com sensibilidade. “Conquistar a confiança do leitor é tarefa difícil e perde-la é muito fácil”, concluiu.
Relacionamento com as Fontes
O novo Manual também determina regras sobre o contato dos jornalistas com as fontes, e dispõe sobre os direitos das fontes, exemplificado por Vera: “são coisas que a fonte pode pedir para você, condições que ela pode impor, como gravar a conversa”. Além disto, o conflito de interesses também ganhou destaque nessa edição: “Trata-se do envolvimento pessoal que o jornalista tem com determinada cobertura. O editor deve ser informado para que ele decida o que vai fazer”, esclareceu a jornalista.
Dentro do conflito de interesses, o jornal considerou que a militância é fator negativo para o jornalista. “Qualquer militância pode prejudicar o trabalho do jornalista, pois é impossível evitar que a sua paixão acabe interferindo de alguma forma”, disse Vera, “É um terreno complicado”, completou.
O trecho do Manual gerou dúvidas na plateia presente no evento, e uma aluna questionou se manter colunistas que tem posicionamento político destacado em seus textos faz com que o jornal seja caracterizado por aquela opinião. Sobre a pergunta, Vera esclareceu: “Colunista tem total liberdade de expressão, de credo, etc. O espaço do jornalista que é um espaço mais cercado. Colunista está lá para dar opinião, jornalista está lá para dar informação”.
A ex-ombudsman informou que conflitos de interesses são situações que possam limitar ou pôr em dúvida a autonomia ou a isenção do jornalista, e que este assunto é tratado no Manual devido a delicadeza do tema. “Enfrentamos gente que quer desacreditar o jornalista ou o jornal todos os dias”, contou Vera, que complementou com algumas recomendações: “Participar de atos públicos é algo que a gente recomenda não fazer. Caso você for fotografado em um evento destes, também pode servir para desacreditar o seu trabalho”.
Vera prosseguiu com dicas para que o trabalho dos jornalistas não seja desacreditado, e retomou o tema das fontes: “Toda fonte de informação deve ser tratada com transparência. Não adote nenhum procedimento que não possa contar ao leitor”, disse. Para contextualizar sobre esta fala, a jornalista usou como exemplo jornalistas que compram drogas para demonstrar a facilidade de acesso que os usuários possuem e como funciona o tráfico, e que apesar de ser um ato fora da legalidade, deve ser esclarecido ao leitor.
Ainda sobre as fontes, o Manual estabelece regras sobre presentes e privilégios. “Você só pode aceitar coisas que valham até 25% do salário mínimo”, informou Vera, que também esclareceu que a Folha pede para que presentes de alto valor sejam devolvidos. Além disto, o valor não é o único parâmetro na hora de decidir se o presente será aceito. Vera usou como exemplo o recebimento de ingressos para shows: “O jornalista deve se perguntar, por exemplo, se ficará desconfortável para fazer uma cobertura crítica de quem o enviou. Se você se sentir constrangido, diga não”, esclareceu.
Uso das redes sociais
A utilização das redes sociais foi amplamente discutida no Manual, por ser considerado um fator de cuidado na profissão de jornalista. “A gente acreditou na liberdade absoluta das redes sociais. Não dá. Rede social é lugar público e isso para jornalista é problema”, comentou Vera, ao falar sobre a dificuldade em delinear um limite seguro para o uso das redes sociais.
A jornalista considerou que o conteúdo publicado nas redes sociais pode ser facilmente descontextualizado e que a vida pessoal e profissional do jornalista acaba por se fundir no ambiente online. “Não dá para separar. Nas redes sociais, a imagem pessoal tende a se misturar com a profissional. Postagens que exponham a vida pessoal podem ter consequências na vida profissional”, disse Vera.
Um aluno do FIAM-FAAM aproveitou o momento para questionar Vera sobre o posicionamento da Folha de São Paulo perante a nova política do Facebook – que reduziu o alcance das postagens feitas por empresas. O jornal optou por parar de postar novos conteúdos na rede social. Vera respondeu: “Na minha opinião pessoal, a Folha fez o certo. O Facebook traz muito menos retorno para jornais como a Folha. A Folha já tem um nome consolidado. Em algum momento esses grandes, como Facebook e Google, terão de renegociar”, comentou.
Retomando o tema sobre o impacto do uso das redes sociais na carreira, Vera explicou: “A gente tem a tendência de achar que o que está na nossa ‘timeline’ é a vida. O jornalista não deve superestimar a repercussão nas mídias sociais, tomando-as como a totalidade do público, mas tampouco pode ignorar seu impacto”, disse.
A jornalista prosseguiu com sua explanação, e comentou que essa edição do Manual é bem mais liberal em relação às recomendações gerais, mas que é estritamente proibido espalhar boatos. “A função do jornalista é confirmar, apurar a informação”, esclareceu Vera. Além dos boatos, os jornalistas da Folha estão proibidos de postar opiniões partidárias nas redes sociais.
“Pratique o pluralismo, adicionando e seguindo representantes de diferentes tendências. Se você está seguindo um lado, adicione o outro”, indicou Vera, que informou que se tratam de medidas de segurança para que o jornalista não seja desacreditado, pois o Manual também visa que a credibilidade do jornalista seja mantida.
Relacionamento com o leitor
O Manual traz orientações detalhadas sobre como os jornalistas devem lidar com o leitor. Recomenda-se que conflitos sejam evitados, mesmo nos ambientes das redes sociais. “Quando provocado, sempre que possível, reaja com serenidade”, recomendou Vera, que destacou que nem sempre os jornalistas gostam de tratar com os leitores, por muitas vezes não ser uma relação tranquila.
Há também dicas sobre o que deve ou não ser falado pelos jornalistas quando tratam de assuntos mais delicados, como deficiências, doenças ou orientação sexual. Sobre este último item, Vera contou: “A orientação sexual só deve ser mencionada numa reportagem quando tiver relevância no assunto. Por exemplo: ‘Fulano de tal, que anunciou que é gay, foi demitido’”, esclareceu.
Prática jornalística
A respeito da prática, o Manual trouxe um passo a passo de como tudo deve ser feito pelo jornalista, desde antes da apuração até o resultado final. “É o que a gente tenta fazer. E quem quiser fazer um conteúdo de qualidade, deve ter compromisso com determinado compromisso e com determinada norma”, comentou Vera.
“Você tem que ser crítico. A quem aquela notícia beneficia? E a quem prejudica? Se você não fizer isso, você será marionete na mão de alguém. Se você não souber o jogo, você será feito de bobo”, esclarece a jornalista sobre a necessidade de ser crítico e determinar os rumos da reportagem.
A necessidade de cruzar informações e sempre apurar o outro lado da história também foi destaque durante a palestra. Vera aconselhou: “Cruze informações. Há o risco de se perder o furo – de reportagem -, mas ao não apurar a informação, você pode publicar uma reportagem errada”, destacou, relembrando sobre a credibilidade do jornalista.
O Manual também traz regras para os jornalistas relatarem a notícia, editarem e os incentiva a serem criativos, mesmo se houver tentativas frustradas de inovação. Aconselha-se que após publicar a reportagem, seja feita a distribuição do conteúdo, eventuais correções e atualizações, e que os desdobramentos sejam avaliados. Além disto, é recomendado o diálogo entre os colegas: “Discuta a qualidade da reportagem com os seus colegas. É a melhor forma de melhorar”, informa Vera.
Sobre a correção e atualização de notícias, Vera comenta que a redação normalmente é resistente em informar um erro, pois se o erro for grave, é publicada uma errata (ou “erramos”, nomeação utilizada pela Folha de S. Paulo) com o nome do jornalista, o que é considerado prejudicial à imagem do profissional.
Há ainda recomendações especiais sobre reportagens com conteúdo policial ou judicial, pois a apuração requer cuidado redobrado. “Num crime, por exemplo, todas as partes têm interesse. Procure por todas elas, o delegado, o promotor, etc. Não assuma um dos lados da história, não faça isso”, recomendou Vera.
A palestrante deu continuidade ao debate, e falou sobre imagens extraídas de redes sociais. Destacou que não há legislação a respeito do tema, mas apesar disto, o Manual dispõe que fotos e vídeos retirados de sites ou redes sociais não devem ser utilizados indiscriminadamente. Para fotos de menores de idade, é necessário que os dois pais autorizem o uso da imagem.
O texto jornalístico
O Manual traz dicas para aperfeiçoar a escrita, através de estilo, normas gramaticais e convenções adotadas pela Folha. “Escrever bem é prender a atenção do leitor”, ressalta Vera, que destacou que a maioria dos leitores sequer abre uma matéria online, apenas se atentam ao título da reportagem. “O Manual traz dicas de como tentamos manter o interesse do leitor”, informa a jornalista.
Errei, mas quem não erramos?
O Manual ainda traz um capítulo de “erramos” divertidos, para lembrar aos jornalistas que é normal errar, e que muitas vezes o erro é decorrente de falta de atenção. “Publicamos que Jesus Cristo foi enforcado, não crucificado”, contou Vera, ao exemplificador algumas falhas cometidas pelo jornal.
Já no fim do evento, uma aluna da faculdade perguntou à palestrante por que a Folha optou por trazer o Manual agora, e se há relação com o ano político ou com a nova política do Facebook. Vera esclareceu a dúvida: “O Manual está atrasado. Deveria ter saído quando fizemos 95 anos, há dois anos. Não teve outro motivo, foi atraso mesmo. Era muito urgente que o fizéssemos. O antigo Manual não tratava de internet, etc.”, finalizou.
Por Vanessa Assis
Perfil da Autora
Vanessa Assis, 28 anos. Estudante do 5º semestre de Comunicação Social – Jornalismo no Complexo Educacional FMU FIAM-FAAM. Formada em Direito pela Universidade São Judas Tadeu.