As cidades que conhecemos no Século 20 concentraram grandes massas de trabalhadores nas fábricas. Era comum as chaminés e os rolos de fumaça pairando sobre as casas e outros edifícios. Os trabalhadores se concentraram no setor secundário da economia, a maior parte era formada por operários, retratados por Charles Chaplin, em Tempos Modernos. O êxodo rural, a atração para os grandes centros urbanos se iniciaram nos países onde primeiro se desenvolveu a Revolução Industrial. Da Inglaterra para as Ilhas Britânicas, Europa, Estados Unidos, Russia, Japão… Sem dúvida a formação da renda provinha das fábricas com aumentos sucessivos da produtividade e os salários miseráveis que os patrões pagavam. De um lado nasceu a ciência da organização do trabalho, da administração, o fortalecimento das bolsas de valores. De outro o nascimento dos sindicatos que partiram para o enfrentamento. A violência era uma marca registrada e as ruas não eram mais seguras do que as das cidades atuais brasileiras. Hoje as facas foram substituídas pelo revólver.
Não se junta milhões de pessoas impunemente. A reunião é movida por causas profundas e nem mesmo um regime autoritário e assassino é capaz de impedir. As pessoas querem deixar o campo e morar na cidade, atraídas pela ilusão que vão melhorar de vida e empurradas pela mecanização cada vez mais intensa e sofisticada da agricultura. Não se vê mais um trabalhador no meio da plantação com uma foice colhendo trigo, seu instrumento de trabalho. Ele é visto na cabine de um trator traçado, com ar condicionado. Só que não lhe pertence. Ele perdeu a posse da terra e dos instrumentos de produção. A simples separação entre o lugar onde se vive e o local de trabalho provocou, desde o Século 19, o início da construção de um sistema de transporte de massa. Sem ele seria o caos. A família extensa comum no campo, com a figura do patriarca deu lugar a família nuclear onde os parentes, ainda que morem na mesma cidade, não tem tempo para se visitar ou até mesmo para ir a uma simples festa de aniversário.
Novas cidades estão inchando. Fala-se em uma “Grande Beijing” com 130 milhões de habitantes. A grande Sã Paulo tem 25 milhões e vai ao encontro do grande Rio. Diante da realidade da aglomeração de milhões nas cidades não há outra alternativa se não pensar em como viver nessa realidade. Os prédios estão cada vez mais altos, com a sombra projetada sobre jardins e ruas, o lazer confinado aos shoppings, sorveterias, pipoca e cinema. Com o advento do Netflix não é mais preciso sair de casa para ir a locadora. O supermercado, a pizzaria, a padaria entregam a encomenda na sua porta. Não há mais espaço público ou privado que não esteja sendo filmado 24 horas enviando, via internet, para um servidor baseado na Rússia. Em suma não há outra alternativa se não organizar as cidades gigantescas para uma nova realidade. Uma coisa é certa, não tem volta, é um fenômeno global que ocorre nos países ricos e pobres. Seria bom que as cidades tivessem um conselho de cidadãos voluntários para pensar e repensar como transformar o espaço urbano.
Por Heródoto Barbeiro
Perfil de Heródoto Barbeiro
Heródoto Barbeiro é jornalista, âncora do Jornal da Record News e do R7, diariamente as 21h. Ex-apresentador do Roda Vida da TV Cultura e do Jornal da CBN. Autor de vários livros na área de treinamento, história, jornalismo e budismo.