Dia desses estava sem fazer nada em casa e resolvi assistir novamente uma comédia bem fraquinha que aqui no Brasil ganhou o nome de “Uma Manhã Gloriosa“. Estrelado pela Rachel McAdams (Meia-noite em Paris), o longa conta a história de Beck, uma jovem jornalista que assume o posto de produtora de um programa matinal americano em plena decadência. Empenhada em recuperar a audiência, ela demite um âncora meio paspalho (interpretado pelo Ty Burrell de Modern Family) e convence o premiado repórter de TV Mike Pomeroy (Harrison Ford) a assumir o posto ao lado da temperamental Collen Peck (Diane Keaton).
Pra quem não conhece muito bem como funciona o jornalismo de broadcasting americano, convém a explicação. O dia televisivo é bastante estruturado com base na faixa-etária que se espera para cada horário. Pela manhã, se reporta (poucos) destaques da madrugada anterior e assuntos mais leves. São programas para serem assistidos durante o café, destinados a donas de casa que mandam seus filhos para o colégio e aos pais que saem para trabalhar e querem ter o mínimo de informação. Na parte da tarde, são oferecidas notícias de serviço e alguma atualização dos assuntos abordados pela manhã. O fim da noite é um apanhado de tudo, no estilo Jornal Nacional e na madrugada, temos os jornais profundos e analíticos, geralmente dedicados a cobertura de guerra, política e economia.
Dada a explicação, é de se imaginar que o show produzido por Beck é uma coisa bem “NáMaria quer ser repórter”. Assuntos bobos, matérias curtas de entretenimento, fofoca, dicas e culinária. Enquanto a personagem de Diane Keaton está acostumada com o formato (e sabe que não tem muito talento para ir além disso), Pomeroy encara a escalação como o fim de uma carreira laureada em Pulitzers, Peabody e coberturas de destaque. Demitido da ancoragem de um jornal noturno, Mike é obrigado a assumir as manhãs por causas contratuais.
Aí chegamos no ponto que quero abordar. Quando Mike e Collen começam a trabalhar juntos, o estranhamento é natural e imediato. Ela acha o colega muito pretensioso, ele a considera fútil (“programas diurnos não fazem jornalismo”, diz ele). É o velho embate entre jornalismo de profundidade e jornalismo de entretenimento.
Às voltas com o perigo de cancelamento, Beck resolve apostar no segundo caso. É quando a atração vira basicamente um show de bizarrices, com repórter enfrentando montanha-russa ao vivo para gerar views no Youtube, barracos e trocas de xingamentos, âncora beijando sapo e fazendo o exame de papa Nicolau. Surpreendentemente, a audiência começa a subir sem trégua, culminando em um final que basicamente é um ode à imbecilização do público.
Não quero entrar no mérito da qualidade do filme (bastante questionável, é bom dizer), mas na fórmula que dá certo na ficção e que parece ser a saída para qualquer programa em crise, aqui inclusive.
Não faz muito tempo, a TV brasileira resolveu que entende o que pensa a classe C. Nosso jornalismo de rede aberta, salvo raras exceções, virou um espetáculo nojento e difícil de assistir. Foi assim que um noticiário no horário do almoço foi invadido por um anão, que programas policiais banhados a sangue fizeram sucesso e que casos que abordam a pobreza, a miséria e o desvio de caráter foram tratados de forma quase cômica (preciso lembrar aqui do “estuprou sim!”?).
Jornalismo de qualidade tem sido feito limitadamente e fica difícil de entender: é porque poucos SE interessaram ou porque as emissoras pressupõem que os poucos QUE interessam são um círculo fechado? Programas como o “Conta Corrente” da Globo News ou como o “Roda Viva” da Cultura não parecem ter a menor chance na TV aberta de alcance nacional.
Dizem por aí que a saída para o impresso seria se especializar em grandes reportagens em detrimento da cobertura diária já feita em tempo real na internet. Frente ao processo de emburrecimento dos veículos de massa, sonhar que a situação de traficadas ilegalmente sirvam para bater a manchete do Meia Hora soa utópico demais.
Por Igor Patrick Silva
Perfil do Autor
Há três anos, Igor P. Silva decidiu que de fato tinha nascido com vocação para a pobreza. A partir daí, se mudou para Belo Horizonte, onde cursa Jornalismo na PUC Minas. Em 2012, recebeu honra da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP/IAPA) por sua matéria “Liberdade Ainda que Tardia”. Escreveu para o Jornal Pampulha e O Tempo, publicações da Sempre Editora e atualmente trabalha na Rádio CBN.