A postura da imprensa, a posição do Estado e a preparação dos jornalistas. Esses foram os temas abordados na “Série de Encontros” promovida pela Associação de Repórteres Fotográficos e Cinematográficos do Estado de São Paulo (Arfoc-SP) em parceria com a Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) no dia 12 deste mês. O evento contou com Sérgio Silva (Futura Press), Daniel Teixeira (Estadão) e Flavio Florido (UOL). O debate teve mediação de Erivam Oliveira (professor da ESPM).
Os jornalistas abordaram o trabalho da imprensa durante as manifestações que pararam ruas de cidades brasileiras nos últimos dois meses. A postura da polícia e o treinamento para profissionais de comunicação serviram para discordância entre os participantes. Porém, o assunto principal do encontro foi o relato de Silva, profissional ferido por bala de borracha ao trabalhar em uma das manifestações ocorridas na capital paulista. O fotógrafo teve a visão do olho esquerdo comprometida.
Relato do cenário de guerra
Quinta-feira, 13 de junho. Sérgio Silva chega à Rua da Consolação por volta das 18h para mais uma cobertura das manifestações. A situação, conforme relatou, era semelhante a de um cenário de guerra. Os policiais atiravam sem direção e “as bombas começavam a surgir”. Em meio ao protesto, o jornalista perdeu o conato com os demais colegas que faziam a cobertura e, em vão, tentou se proteger atrás de uma banca de jornal.
“A minha atitude foi a mais natural, de procurar proteção física. Permaneci alguns minutos fotografando. Algumas bombas voltaram a cair onde eu estava”. Com os olhos ardendo e devido às bombas de efeito moral, Silva foi atingido por uma bala de borracha no olho esquerdo. Sem equipe médica para assistir aos feridos, o coletivo Matilha Cultural organizou um posto de atendimento, junto aos manifestantes. “Um cidadão comum me salvou e virou meu amigo”, emocionou-se o profissional.
De acordo com a Arfoc, os profissionais reuniram-se para retirar os materiais de proteção para as coberturas das manifestações. Segundo Silva, deve haver treinamento para que os policiais saibam atuar diante da imprensa. O fotojornalista ressaltou que casos como os dele podem acontecer com maior frequência. “Não tem como aceitar uma polícia violenta. Ela deve ser exemplo, pois eles são pagos para manter a ordem”. Florido, no entanto, disse que existem diversos conceitos a serem revistos e que, ao reivindicar algo, existem consequências – até para os representantes da imprensa. “Devemos ter responsabilidade sobre aquilo que falamos e fazemos”.
Ao ouvir o relato, Teixeira afirmou que a Polícia Militar não tem preparo adequado para atuar em manifestações desse porte. Complementando o colega, Silva ironizou que ao atingir profissionais da imprensa “a polícia teve um gostinho a mais”. Contrapondo-se aos demais participantes, Florido argumentou que existem questões culturais, desde os salários à educação dos integrantes da corporação. “Não me imagino viver com um salário de policial. Devemos pensar por outros lados”.
Processo contra o Estado
Vítima da ação policial, Silva explicou que ainda está avaliando, junto a seus advogados, processar o estado de São Paulo. “A cada dia venho melhorando psicologicamente, mas meu olho não responde”, desabafou. O fotojornalista da Futura Press ainda convidou a todos para assinar a petição online contra o uso de balas de borracha e gás lacrimogêneo nas manifestações. O abaixo-assinado, que já conta com mais de 40 mil assinaturas, pode ser acessado clicando aqui.
Por Kelly Mantovani.
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Perfil de Kelly Mantovani
Pisciana, paulistana da gema e amante de bons livros. Estudante do terceiro semestre de Jornalismo na FIAM (Faculdades Integradas Alcântara Machado), atua como estagiária em Assessoria de Imprensa na Prefeitura de São Paulo e contribui com muito orgulho sugerindo pautas para a Casa dos Focas.