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Dez reflexões de Eliane Brum sobre o jornalismo

Através de suas reportagens, a premiada jornalista e escritora Eliane Brum continua sendo uma fonte de inspiração para o jornalismo brasileiro.

Foto: Divulgação/Lilo Clareto.

Eliane Brum é uma das nossas principais referências brasileiras no jornalismo, ao lado de Daniela Arbex e Caco Barcellos. Formada em jornalismo, no ano de 1988, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, iniciou sua carreira de repórter no jornal Zero Hora de Porto Alegre, onde trabalhou por onze anos.

Em São Paulo, atuou como repórter especial na Revista Época durante dez anos. Também teve uma passagem pelo jornal inglês The Guardian e atualmente, além de freelancer, possui uma coluna no jornal espanhol El País. Seu esforço em contar histórias com um olhar diferente lhe rendeu mais de 40 prêmios nacionais e internacionais de reportagem, entre eles o Prêmio Vladimir Herzog, o Prêmio Jabuti e o Prêmio Maria Moors Cabot.



Eliane Brum também é codiretora de três documentários (Uma História Severina, Gretchen Filme Estrada e Laerte-se) e autora de oito livros: Coluna Prestes – O Avesso da Lenda (1994); A Vida que Ninguém Vê (2006); O Olho da Rua – uma repórter em busca da literatura da vida real (2008); Uma Duas (2011); A Menina Quebrada (2013); Meus desacontecimentos – A história da minha vida com as palavras (2014); Brasil, construtor de ruínas (2019); e Banzeiro òkòtó: Uma viagem à Amazônia Centro do Mundo (2021).

Através do seu trabalho, ela continua inspirando estudantes de jornalismo e jornalistas de todo o Brasil. Selecionamos alguns pensamentos e reflexões de Eliane Brum sobre o jornalismo e a escrita. Desejamos que eles possam servir de inspiração para os nossos leitores!



1 – O jornalismo muda o mundo

“Quando é feito com verdade, o jornalismo é uma busca que muda o jornalista e o mundo que ele conta. Além de iluminar os cantos escuros, nós arrancamos a interpretação da realidade da esfera limitada do branco e do preto e trazemos para a zona cinzenta, que é a zona das nuances e da complexidade”.

2 – A importância da apuração

“Não há milagre em texto jornalístico. Pode ser um Prêmio Nobel da Literatura. Se não tiver apurado exaustivamente, vai escrever um texto jornalístico ruim. Só apurando muito – e com precisão – é que dá para escrever um texto substantivo, com tantos detalhes que o leitor pode ler com o prazer de uma ficção”.



3 – O jornalista e a página em branco

“Acho difícil ser jornalista e ser assombrada pela página em branco. Trabalhei 11 anos em jornal diário, então montava a estrutura dos meus textos do dia no carro do jornal e escrevia às vezes duas matérias em menos de uma hora. O jornalismo nos ensina que, quando a gente precisa escrever, a gente escreve. Pelo menos essa é a minha experiência”.

4 – Dica aos jovens jornalistas

“Duvidar, de tudo e de todos — duvidar das certezas dos outros e mais ainda das suas. Aprender a escutar, que é muito mais difícil do que parece. Não cair na tentação nem da vaidade, nem da arrogância. Não ser preguiçoso, nem esperar que seja fácil. E ler todos os dias”.



5 – As notícias habitam os detalhes

“Para mim, as notícias habitam os detalhes, às vezes empoeirados, do cotidiano. A maior parte das histórias reais que conto vem dessa grandeza do pequeno, da delicadeza que anima cada vida humana, mesmo nas horas brutas”.

6 – O poder da reportagem

“A reportagem me deu a chance de causar incêndios sem fogo e espernear contra as injustiças do mundo sem ir para a cadeia. Escrevo para não morrer, mas escrevo também para não matar”.



7 – Contadora de histórias reais

“Ser contadora de histórias reais é acolher a vida para transformá-la em narrativa da vida. É só como história contada que podemos existir. Por isso escolhi buscar os invisíveis, os sem voz, os esquecidos, os proscritos, os não contados, aqueles à margem da narrativa. Em cada um deles resgatava a mim mesma – me salvava da morte simbólica de uma vida não escrita”.

8 – O significado da escrita

“Escrever, para mim, é um ato físico, carnal. Quem me conhece sabe a literalidade com que escrevo. Eu sou o que escrevo. E não é uma imagem retórica. Eu sinto como se cada palavra, escrita dentro do meu corpo com sangue, fluídos, nervos, fosse de sangue, fluídos, nervos. Quando o texto vira palavra escrita, código na tela de um computador, continua sendo carne minha. Sinto dor física, real e concreta, nesse parto”.



9 – A ilusão da imparcialidade

“Eu tenho muito medo de jornalistas que acreditam pairar acima da realidade, capaz de uma total isenção porque essa ilusão da imparcialidade total faz com que não tome as precauções necessárias, não tome as precauções sobre si mesmo para que possa chegar o mais perto da verdade, já que não existe uma verdade só e nunca conseguimos alcançar totalmente as verdades múltiplas”.

10 – Não existem vidas comuns

“Com o meu trabalho, procuro inverter esta lógica, mostrando que não existem vidas comuns – nem vidas anônimas. Cada um de nós é um fenômeno irrepetível e singular, único na história do universo. Somos uma poeira, mas uma poeira de estrelas, como dizia o Carl Sagan. Sendo assim, nossa vida é importante no melhor sentido, no sentido de que tudo o que deixarmos de fazer não será feito, porque só nós podemos fazer do nosso jeito e o que não fizermos será a marca de uma falta no mundo”.



Bônus: O que me levou para a reportagem?

“Meu primeiro amor foi a literatura, porque a palavra escrita me deu a possibilidade de viver. Até descobrir os livros eu não sabia o que fazer com as histórias que escutava dos outros e mesmo de mim. A literatura arrancou a pesadeira do meu peito e alargou meu mundo de dentro, me dando uma outra geografia, na qual eu poderia ser a história que quisesse. E essa possibilidade de ser planta, bicho, princesa, alien, homem, velho, me salvou. Mas sempre vivi parte dentro, parte fora, sempre tive uma enorme curiosidade pelo mundo que é o outro, e foi isso que me levou para a reportagem. Preciso da ficção e da reportagem para viver. Como escritora, acho que minha voz na ficção é muito diferente da minha voz na reportagem e talvez por isso eu precise das duas para existir”.

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Emílio Coutinho
Emílio Coutinho
O jornalista, professor universitário e escritor Emílio Coutinho criou a Casa dos Focas em 2012 com o objetivo de oferecer um espaço para o ensino, a reflexão, o debate e divulgação de temas ligados ao jornalismo e à comunicação em geral.
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