Um prédio de 14 andares localizado bem próximo à Broadway. Imagine que dentro dele intrigas, brigas internas, grandes acontecimentos passados e a história do país sejam escritos diariamente por centenas de jornalistas. Eles se debruçam sobre os fatos, o esmiúçam e por fim o transformam em notícias do jornal mais importante do mundo, que chega a milhares de lares americanos e até mesmo cruza o oceano rumo a Taiwan.
Esta é a descrição mais simples da redação do The New York Times, narradas pelo ex – timesman (nome dado aos profissionais da casa) Gay Talese em seu livro “O Reino e o Poder – uma história do New York Times”, obra lançada em 1969, mas traduzida para o português apenas no ano 2000. Considerado um dos expoentes do novo jornalismo, Talese emprega diversos conceitos do estilo, tais como mesclar a narrativa jornalística e a literária, para contar nas 558 páginas de um romance de não ficção, a história do jornal mais influente do mundo, sem deixar a história monótona e nem a leitura cansativa.
Gay Talese fala sobre os bastidores do Times. Desde sua fundação e acontecimentos típicos da redação de um jornal até a história íntima e pessoal dos maiores protagonistas de sua história. A forma como a narrativa caminha é extremamente peculiar. O autor vai narrando um fato e entra na descrição e história dos personagens, para depois retornar ao fato em si, como se não tivesse acontecido nenhuma intervenção. A narração não segue a ordem cronológica. As datas se mesclam e a história por diversas vezes recua no tempo.
A abertura do livro é a tradicional reunião de editores do The New York Times, às 16 horas. A partir desse fato, cada personagem presente tem sua história de vida contada, da infância até o momento em que ingressou no jornal. E a partir daí, história de personagens passados também vem à tona. Talese toma o cuidado de constantemente retornar à cena inicial da reunião, fazendo com que o leitor nunca se perca em meio às histórias e diferentes tempos que são apresentados.
Cada personagem inserido na história é descrito com minuciosidade. Detalhes como a aparência externa e interna são usados com frequência. A descrição de ambientes também é usual e bem detalhada. O espaço é mostrado de maneira dinâmica. O autor se prende a detalhes, dando ênfase para marcas, cores e coisas despercebidas.
Vários trechos me impressionaram. Em especial a maneira que o autor tem de, a partir do ponto que descreve várias histórias através de um acontecimento, contar de forma simples e corriqueira capítulos importantes da história mundial, sem fazer muito alarde. Exemplo disso é quando, enquanto cita a coleção de fotografias dos antigos editores, conta a história de Carr Van Anda, diretor de redação de 1904 a 1926. O personagem surge “sem querer” na história e, dentre outras coisas, foi o homem que encontrou um erro na equação de Einstein, uma falsificação na tumba de Tutancâmon, contestou a informação de que o Titanic era inafundável e antecipou estratégias de combate da 1ª Guerra Mundial.
Outro fato curioso foi a concorrência interna e as constantes brigas entre as sucursais, que ansiavam em publicar um conteúdo melhor uma das outras. Esse fato fez com que o jornal se dividisse em pequenos “feudos” até que foi necessária a criação da reunião de editores, às 16h, de modo a tornar o Times um jornal mais unido.
O personagem principal do livro é o próprio The New York Times. De início ele se apresenta sério e rígido. Porém, durante a leitura, é possível perceber que ele na verdade é imprevisível e em constante mutação, porém sem perder seu pilar primordial de levar a informação sem interferências. Gay Talese introduz diversos personagens na obra, sendo difícil afirmar quem são os de maior destaque.
Pode-se citar o nome de Adolph Ochs, dono do jornal. Ele surge como um homem determinado, honesto e batalhador. Trabalhou duro e se dedicou para conseguir reeguer o The New York Times, jornal que comprou prestes a falir. O livro conta em detalhes a sua história, cujos ideais permaneceram vivos mesmo após sua morte. Ilustra também decisões importantes partidas do caráter de Ochs: como o fato de não aceitar um anúncio do governo, mesmo com o jornal em crise ou a decisão de baixar o preço para conseguir mais leitores.
O livro possui intertexto com o próprio The New York Times e com vários acontecimentos históricos, tais como: a primeira e a segunda guerra mundial; o nazismo; o naufrágio do Titanic e o assassinato do presidente Kennedy.
A chamada da resenha do livro “The hero (villain? victim?) is The New York Times” (“O heroi (vilão? vítima?) é o The New York Times”) publicada no próprio jornal na ocasião do lançamento em 1969, brinca com o fato de o jornal ser o protagonista de uma obra. A matéria afirma que o livro foi escrito “no mesmo estilo novelístico de Truman Capote”. Ben H. Bagdikian finaliza sua resenha afirmando que “apesar de falhas, o livro cria cenas em movimento e personalidades. Raramente alguém foi tão bem sucedido em fazer um jornal ganhar vida como uma instituição humana. É uma história que muitos jornais ambiciosos desejariam que seus melhores escritores produzissem – sobre eles mesmos”.
Além de contar a típica rotina de uma redação, o livro mostra dados, e estatísticas surpreendentes. É bom observar como grandes acontecimentos foram analisados e cobertos pelo jornal, bem como que impacto tiveram dentro da redação. Da “previsão” de um diretor para uma matéria bem sucedida (caso Titanic), até a escolha de um editor devido um fato que consagrou sua carreira (cobertura “por acidente” do assassinato de Kennedy).
Sinceramente, adorei a forma com que o autor conduz a narração. Simples e surpreendente. Considero a leitura do livro como fundamental para todo estudante de jornalismo.
Por Rafaella Martinez Vicentini.
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Perfil de Rafaella Martinez Vicentini
Rafaella Martinez Vicentini é karateca, técnica em segurança no trabalho e uma eterna apaixonada por livros, palavras e fotografias. Estudante do 6º semestre de Jornalismo da Universidade Santa Cecília, por amor, divide sua rotina entre várias atividades. Além do serviço formal como TST, é editora da “Sessão de Terapia” da revista digital santista Sanatório Geral de Artes Visuais e mantém um blog pessoal, o Pensamentos Soltos.