Todo mundo sabe que estagiário sofre. Não tanto quanto o querido Murilo Gun descreve em seu vídeo genial Entrevista com Estagiário, mas certamente é algo próximo daquilo. Deixando as ironias de lado, se um estagiário comum passa perrengues, um estagiário de jornalismo então, faz doutorado em sofrimento enquanto ainda cursa a graduação
Com a velha desculpa de que jornalista tem que aprender desde cedo que a profissão não é mamão com açúcar, os empregadores abusam dos pobres coitados que, além de escolherem “essa” carreira, ainda precisam fazer das tripas coração e cérebro para não deixar a desejar nas 3.567 tarefas diárias.
Um estagiário comum pode passar apertos enquanto está no trabalho, mas um de jornalismo não tem um horário de trabalho muito bem definido. Teoricamente seriam seis horas diárias, porém o pobre coitado sempre depende da boa vontade alheia, que esta mais para má vontade do que boa.
Jornalistas dependem de fontes, portanto mesmo que o foca tenha apenas uma matéria para fazer durante as seis horas, ele pode se dar mal se a fonte não quiser colaborar. Afinal a matéria está na mão dele porque precisa ser entregue e, provavelmente não havia mais ninguém desocupado para isso. Então, não há escapatória, se a fonte demorar cinco horas para dar as informações, lá vai o foca nadar em águas não muito tranquilas.
As funções de um aprendiz de jornalista são INTERMINÁVEIS mesmo, como mostrará a historinha a seguir:
“O foca recebe a pauta e esse é o único momento em que ele sabe que as coisas estão certas, a partir disso são apenas dúvidas e desespero. O foca vai contatar a fonte responsável pelo assunto que, certamente estará fazendo algo mais importante como soltar pipa e não poderá atender naquele momento.
Na próxima tentativa, o desinfeliz está em horário de almoço por, mais ou menos, três horas. O foca tenta mais uma vez e consegue com que o “gente finíssima” responda meia dúzia de perguntas, só que descobre que ainda precisará falar com outro especialista no assunto.
Enquanto passa as informações que conseguiu para o word, vai se lembrar que se esqueceu de pegar o nome inteiro do indivíduo e, sem nome completo, não poderá citá-lo na matéria. O coitado respira fundo e tenta não se desesperar, o que é impossível, já que a chefia já esta perguntando detalhes da matéria.
Após responder ao chefe que esta dando tudo certo, o foca afogado, tenta falar novamente com a primeira fonte, só que, devido a Lei de Murphy, o celular cai na caixa postal. Irritado, ele tenta falar com a segunda fonte. O cara é bacana, super simpático, mas não sabe porra nenhuma do assunto. Péssimo porque, caso ele não consiga o nome da fonte anterior, babou a matéria.
O pobre coitado até consegue arrancar umas coisinhas com o cara bacana, mas insuficientes. Ele tenta o celular da outra fonte novamente. Caixa postal. Ele pensa e resolve digitar no Google os dados que possui. Só consegue a informação na quinta página e ainda sem muita credibilidade. Liga de novo e consegue falar com a secretária, que passa o nome do cara.
Ufa, menos um problema. Agora só falta terminar a matéria, que é sobre um assunto que ele nunca havia ouvido falar. Mas ele tenta se convencer de que todo conhecimento servirá no futuro. Ainda falta a foto. Merda. Ele se esqueceu de imprimir um documento super importante que o chefe pediu. O telefone toca e é um leitor reclamando. Ele ouve impaciente, mas tenta resolver o problema. Falta uma hora e meia para ele ir embora. Finalmente o foca consegue despachar o leitor-mala.
Ele vai imprimir o papel do chefe, mas a impressora não funciona. Merda. O telefone toca de novo, querem um jornal datado de treze meses atrás. Ele vai até o arquivo e demora meia hora para encontrar. De volta à redação, ele se lembra da foto da matéria. Liga para o motorista, já que, por ser estagiário ele não pode usar locomoção própria. O motorista saiu e o celular está desligado. O foca quase chora, mas não dá tempo porque o chefe chega e pergunta da matéria. Ele explica que precisa tirar a foto, mas não há como ir até o local. O chefe diz: “Porra, foca, você não faz nada direito”.
Até que enfim ele consegue imprimir o documento. Entrega pro chefe, que dá uma risadinha sarcástica. Ele liga para o motorista de novo que atende e diz que chega daqui uma hora. Mas como assim? Meu expediente acaba em trinta minutos. O motorista sacaneia: “Vai foca, para de reclamar”. Ele espera. Atende o telefone diversas vezes. Todos atrás do chefe, que está no celular jogando papo fora e dispensa as ligações. O foca precisa ser convincente para acreditarem que o chefe não está.
O chefe pede para que o pobre coitado vá à banca comprar um jornal do concorrente. Ele vai. Volta e o motorista esta aguardando. Ele vai até o local e consegue a melhor foto (na visão dele, é claro). Quando volta pro carro, descobre que um pneu está furado. Ajuda o motorista a trocá-lo. Já faz sete horas que ele está “estagiando”.
Quando volta à redação, descarrega a máquina, junta a foto com a matéria e manda pro editor. Respira fundo e sente que o estômago esta doendo. Deve ser a fome. Vai até a cozinha, mas não sobrou nada do lanche da tarde. Confirma se o email foi enviado. Ufa! Foi. Todos já foram embora e ele resolve fazer o mesmo, com a sensação de trabalho cumprido.
Quando desce do prédio, o céu desaba em chuva. O foca chega em casa após oito horas e meia no estágio. Vai direto pro banho porque ainda tem a faculdade. A primeira aula é de um professor recém formado com problemas de oratória que ainda pergunta por que o foca está dormindo.
No dia seguinte acorda e vai correndo até a porta para ler sua matéria no jornal. Decepção. A matéria está tão modificada que ele nem consegue entender o assunto. “Epa, trocaram até a foto?” Mesmo assim, ele se arruma para mais um dia no tão sonhado estágio. Que, na prática, está mais para pesadelo…”
Esse é o relato fictício de um dia de estágio de um foca. Mas na realidade pode ser bem pior. Pode haver mais matérias, menos fontes dispostas, mais mau humor do chefe e mais modificação na notícia pronta. Portanto, estagiários comuns podem até ter a vida difícil que Murilo Gun interpreta no vídeo, mas um foca, ah meu bem, tem vida de gente grande, salário de criança e trabalho de escravo.
Por Andreza Galiego.
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Perfil de Andreza Galiego
Andreza Galiego é estudante de Jornalismo e estagia na Assessoria de Comunicação da Prefeitura de Andradina, cidade onde mora. Aos 20 e poucos anos, terminando a faculdade, ainda vê a profissão como um meio de mudar o mundo, o próprio e o dos outros. Tem mania de discordar e gosta de pessoas estranhas. Estuda todo tipo de assunto que consegue no período em que está acordada, mas na maioria das vezes faz tudo dormindo mesmo. Escreve também no blog Jornalista sem Pauta. Achou incrível o convite para escrever no Casa das Focas e espera contribuir para o “descobrimento do jornalismo”.
Estagiário tem que chupar cana e assoviar ao mesmo tempo.
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