A foto que abre esta coluna foi clicada pelo repórter Rodrigo Paiva na tarde de ontem (13), na rua da Consolação em São Paulo. Permita-me então, caro leitor, que eu lhe peça para comparar esta com mais uma imagem: a do fotógrafo Evandro Teixeira, durante protestos contra a ditadura realizados no Rio de Janeiro em 1964.
Vejo muita gente que estuda comigo com um saudosismo patético, reclamando de que nós jornalistas, ao menos na época do Golpe, tínhamos contra o que lutar. A comparação entre os dois cliques deixa claro que, pra quem sente saudades dos Médicis, Geisels e Figueiredos, o protesto de ontem foi um prato cheio.
Cheguei em casa ontem cansado. Sabia que em São Paulo, mais uma passeata ocorreria, mas não tinha noção do que iria encontrar quando liguei na Globo News. Perplexo, assisti a policiais atirando com balas de borracha em um manifestante que, de braços levantados, implorava por paz enquanto protegia uma senhora que passava aterrorizada com sua criança pela calçada. Conforme o dia avançava, as redes sociais explodiam com denúncias de agressão, de excessos e truculência, enquanto o âncora lia a nota da Secretaria Municipal de Saúde afirmando que ninguém tinha sido ferido.
Via meu amigo do Estadão, Renato Vieira, dizendo que tinha acabado de presenciar a prisão do repórter da CartaCapital, Piero Locatelli. Via meu ex-colega de trabalho dizendo que ouviu de um policial que qualquer um pego com vinagre seria jogado no camburão. Via gente em vídeo gritando “não à violência” e recebendo bombas de gás lacrimogênio como resposta. Mas acima de tudo, o que mais me chocou foram as manchetes que reproduzo a seguir.
“Como a metafísica petista criou a violência dos Remelentos e das Mafaldinhas incendiários. Ou: O casamento do estado-babá com o estado prevaricador” – http://abr.ai/11e13y8
“Como o Brasil não tem uma lei antiterrorismo, que se aplique contra os desordeiros a Lei de Segurança Nacional, que está em vigência, sim!” – http://abr.ai/11ehR8f
“A insolência dos baderneiros impôs a milhões de paulistanos outro dia de cão” – http://abr.ai/151IURG
Para não dizer que caí apenas no senso comum de bater na Veja, reproduzo também trechos do editorial do mesmo dia de Folha e Estadão.
Estadão:
“A PM agiu com moderação, ao contrário do que disseram os manifestantes, que a acusaram de truculência para justificar os seus atos de vandalismo (…) A atitude excessivamente moderada do governador já cansava a população. Não importa se ele estava convencido de que a moderação era a atitude mais adequada, ou se, por cálculo político, evitou parecer truculento. O fato é que a população quer o fim da baderna – e isso depende do rigor das autoridades”.
Folha
“É hora de pôr um ponto final nisso. Prefeitura e Polícia Militar precisam fazer valer as restrições já existentes para protestos na avenida Paulista (…) No que toca ao vandalismo, só há um meio de combatê-lo: a força da lei”.
Irônico perceber que a Folha, após ter sete de seus repórteres feridos pela polícia, rapidamente mudou seu discurso. Da mesma forma o Estadão teve seu corpo de jornalistas tratados com grosseria pela força policial. Queriam força e conseguiram: só se esqueceram que, da porta da redação pra lá, qualquer jornalista também é povo.
Porém, acima da questão da legalidade ou não do aumento da passagem (e é bom que se lembre, aumento esse instituído para segurar a pressão inflacionária causada pela incompetência da presidente), o que mais me impressionou ontem não foram as fotos ou vídeos aterrorizantes transmitidos em rede nacional ao vivo. O que me chocou foi perceber com clareza, talvez pela primeira vez desde que comecei a cursar jornalismo, que a verdade de fato deixou de pertencer à mão da mídia tradicional. Enquanto os jornais reproduziam os depredamentos e as agressões de manifestantes a policiais, milhares de fotos e vídeos pipocavam o tempo inteiro.
Foi assim que vimos, abismados, ao policial que quebrou sua própria viatura, provavelmente para se fazer passar como vítima do tal vandalismo. Foi assim que vimos a foto de um casal que estava sentado no ponto de ônibus ser covardemente espancado. Que ouvimos os relatos de mulheres apanhando, gente ferida sendo arrastada pelo hospital.
Um amigo meu me disse ontem que tem esperanças de que a juventude brasileira estivesse finalmente acordando. Baseado no que vi no Facebook e no Tumblr ontem, eu espero que seja verdade. Por hora, choraram todos. Chorou quem acreditou na democracia, chorou quem morreu por ela, chorou quem ainda sente a falta dos que por ela sumiram dos registros. Secaram as lágrimas: sobrou sangue.
Por Igor Patrick Silva
Leia Também: Liberdade de imprensa?
Perfil de Igor Patrick Silva
Há três anos, Igor P. Silva decidiu que de fato tinha nascido com vocação para a pobreza. A partir daí, se mudou para Belo Horizonte, onde cursa Jornalismo na PUC Minas. Em 2012, recebeu honra da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP/IAPA) por sua matéria “Liberdade Ainda que Tardia” e desde então, escreve para o Jornal Pampulha e O Tempo, publicações da Sempre Editora.