O ataque ao jornal satírico francês “Charlie Hebdo” foi tema de um debate realizado na sede do jornal Folha de S. Paulo na última quarta-feira (04/03). Mediado pela repórter especial Sylvia Colombo, o encontro foi aberto ao público e contou com a presença do cartunista Caco Galhardo, do sociólogo Demétrio Magnoli e da diretora do Núcleo de revistas do jornal, Cleusa Turra.
No primeiro momento foi exibido o documentário francês “Charlie Hebdo”. O filme começa acompanhando a nova rotina de um dos cartunistas que escapou do ataque à sede do jornal. Com o intuito de retratar os mais de 40 anos da publicação, o documentário começou a ser rodado em 2011. Mesclando imagens antigas com atuais, a produção traça o perfil de alguns funcionários do Charlie, dentre eles alguns que foram mortos no atentado.
Para o cartunista Caco Galhardo, o ataque feriu todos os cartunistas do mundo. Ele se mostrou preocupado com as consequências do ato e questionou qual postura seria adotada pelos jornais do Brasil, caso publicassem aquele tipo de charge e fossem ameaçados por grupo extremistas.
O sociólogo Demétrio Magnoli ressaltou que a marcha pela liberdade em homenagem às vítimas do Charlie foi a maior manifestação francesa após a Segunda Guerra Mundial.
Magnoli destacou ainda que houve muitos equívocos na fala de professores universitários brasileiros e demais pensadores do país que tinham o microfone ao alcance da mão. “Dizer que o ataque simboliza o choque cultural entre o ocidente e o islã é um erro absurdo. Isso faz com que o “Charlie Hebdo” se torne a representação do ocidente e que os jihadistas representem todos os muçulmanos. Essa ideia é ousada e faz com que os sujeitos concretos da história desapareçam na narrativa”, afirmou.
De acordo com o sociólogo, os comentaristas europeus conseguiram escapar dessa lógica. Discursos como o do premiê francês, Manuel Vass de que “a França está em guerra contra o terrorismo e o jihadismo, e não contra os muçulmanos e o islã” e da chanceler alemã Angela Merkel de que “O Islã pertence a Alemanha, assim como o cristianismo e o judaísmo”, foram considerados adequados.
Ele acredita que postura adotada conseguiu reunir de fato o espírito da França na manifestação. “Não há ataque maior ao jihadismo do que um muçulmano marchando segurando uma placa de ‘Eu sou Charlie’”.
Europa: porta de entrada para o jihadismo
Demétrio Magnoli relembrou que após os atentados de 11 de setembro, os outros dois grandes atos de terrorismo (Londres e Madri) foram executados por muçulmanos que viviam na Europa.
“O centro da guerra contra o jihadismo não está na Síria e sim na periferia europeia, onde vivem muitos muçulmanos que acabam sendo recrutados por grupos extremistas. E qual a solução? É necessário fazer exatamente o contrário do que prega Marine Le Pen: ao invés de expulsar esses imigrantes, a França precisa de uma política de inclusão”, ponderou.
A ideia é reforçada por Cleusa Turra, diretora do Núcleo de Revistas da Folha. A jornalista destacou que, enquanto acompanhava as manifestações, notou a presença dos mais diversos grupos sociais nas ruas, mas as periferias não estavam ali representadas. “Muitas escolas inseridas nas periferias da França não reconheceram o minuto de silêncio em homenagem às vítimas dos ataques. O governo e a mídia identificaram agora, tardiamente, o estado de penúria dessas periferias e passaram a investir em formação de professores, direitos dos indivíduos e valores para viver em sociedade, algo básico e primordial”.
A diretora do Núcleo de Revistas afirmou que a república francesa é laica e que tanto a liberdade de expressão, quanto o respeito aos cultos e a publicação de sátiras políticas são direitos garantidos pela constituição francesa. Segundo ela, no momento atual, é a junção dessas três liberdades que está em crise.
Para Magnoli, a mensagem do “Eu sou Charlie” não significa que as pessoas concordem com o teor das charges ou com a linha editorial do veículo de comunicação. Indica apenas que entendem que a sociedade é formada por uma coletividade de indivíduos e que cada um deles têm o direito de dar a sua opinião.
“Todos os dias devemos estar preparados”
Cleusa Turra deu um testemunho de alerta para os focas que estavam presentes no auditório. No dia do ataque, ela estava passando férias em Lyon, sudeste da França. De viagem marcada, ela se apresentou como repórter da Folha para ajudar na cobertura do ataque e da manifestação que estava sendo programada.
“Eu tive muito, muito medo. Isso faz parte da profissão. Mas a maior lição que tiro é que todos os dias nós, jornalistas, devemos estar preparados. Não adianta você estar em um local e ser especialista apenas em um assunto específico. Se algo acontece, você está ali e precisa ser repórter”.
Para ela, o jornalista de hoje não entende a dimensão das coisas que acontecem a sua volta. “É preciso ter humildade, pois a nossa ignorância está grande em relação à complexidade do mundo atual”, afirmou.
Por Rafaella Martinez Vicentini
Perfil da Autora
Meu nome é Rafaella Martinez Vicentini, tenho 23 anos e sou jornalista com muito orgulho e amor. Gosto de enxergar o mundo em sua essência e minha maior paixão na vida é ouvir e contar histórias. A maior parte do meu portfólio profissional é baseado em arte e cultura, por acreditar na importância vital desse segmento para a construção de um mundo melhor e de uma sociedade mais justa. Estou em busca de novos desafios na área jornalística.