InícioHistória do jornalismoO Caso Escola Base (2ª parte)

O Caso Escola Base (2ª parte)

Após a prisão preventiva de Saulo e Mara, os advogados tiveram acesso ao telex do Instituto Médico Legal (IML) e viram que o seu resultado era totalmente inconclusivo. O documento alegava que as cicatrizes no menino poderiam ser tanto de um abuso sexual como também de uma diarreia forte. Mais tarde, a própria Lúcia Eiko confirmou que seu filho sofria de constipação intestinal.

Nesse contexto, a situação dos indiciados começou a ser revertida. Provas da inocência dos seis, como depoimentos de funcionários do colégio e dos pais de outros alunos, passaram a surgir na defesa deles.



Todavia, apenas no dia 22 de junho os suspeitos de abuso sexual de menores foram inocentados pelo delegado Gérson de Carvalho. Discretamente, os jornais começaram suas retratações e focaram no ponto de vista das atuais vítimas, antes culpados. Porém, nada foi suficiente para consertar tantos danos morais e a exposição gerada aos três casais envolvidos.

Principais Envolvidos

Os principais envolvidos no episódio foram os proprietários da escola, o casal Maria Aparecida Shimada e Icushiro Shimada (Ayres); seus sócios, Paula Milhin de Monteiro Alvarenga e Maurício de Monteiro Alvarenga; e os pais de um dos alunos, Mara Cristina e Saulo Nunes. Ambos foram os acusados de abuso sexual contra as crianças da Escola Base e julgados precocemente pela imprensa e polícia.

envolvidos



No entanto, o delegado Edélson Lemos também figurou entre os nomes de destaque no caso. Foi ele quem interpretou o telex do IML de maneira parcial.

Ainda dentro da polícia, pode-se citar o nome do juiz Galvão Bruno e dos delegados Gérson de Carvalho e Jorge Carrasco. Estes assumiram as investigações após o afastamento de Lemos.

Contudo, é impossível falar no caso Escola Base sem lembrar os nomes daquelas que deram início a todo o desenrolar da história: Lúcia Eiko e Cléia Carvalho. Já Richard Harrod Pedicini, americano residente no bairro da Aclimação, foi acusado de ser o responsável pelo tráfico das fotos dos menores da Escola Base e também de outras crianças.



Uma vez condenados pela mídia e, consequentemente, pela maioria da sociedade, as reais vítimas do caso Escola Base jamais recuperaram a honra e nem a paz. Mesmo após o encerramento do caso, os veículos de comunicação não se retrataram da forma correta. Muitos divulgaram que as investigações cessaram por falta de provas; no entanto, entre faltar provas e a confirmação da inocência dos seis há uma enorme distância.

Ayres Shimada está com muitas dívidas financeiras. Além disso, sofre com problemas emocionais e não consegue dormir à noite. Sua esposa, Maria Aparecida Shimada, viu seu projeto (a Escola Base) terminar devido às acusações.



Saulo e Mara Nunes chegaram a ser presos durante o clímax do caso, mas foram soltos depois da corroboração de sua inocência. Entretanto, enfrentam problemas financeiros por causa da dívida acumulada durante a contratação de advogados.

Já o casal Paula e Maurício Alvarenga se divorciou. Ele ficou transtornado psicologicamente, sofria de síndrome do pânico, tinha medo de sair à rua e, para encontrar seu advogado, montava esquemas de disfarce devido ao medo de alguém o reconhecer. Já Paula, após a separação, foi morar com suas duas filhas na casa da mãe e não possui emprego fixo, pois está impedida de lecionar. Seu rosto estava marcado e ninguém jamais confiou novamente em uma suspeita de abuso sexual infantil.

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Edélson Lemos, delegado responsável pela maior parte das investigações, tornou-se delegado titular e dá aulas na academia de Polícia Civil.

Richard Pedicini, o “gringo” da história, se viu livre das acusações ao ser desmentido o seu suposto envolvimento no caso Escola Base. Após o episódio, dedicou-se a provar, cada vez mais, a sua inocência. Dessa forma, também aglomerou inúmeros débitos financeiros.

As mães Cléa e Lúcia, aconselhadas pela psicóloga Walquiria Fonseca Duarte, continuaram com o tratamento psicológico dos seus filhos, pois, de acordo com a especialista, eles foram realmente vítimas de abuso sexual.



As vítimas da acusação moveram uma ação contra o Estado e alguns veículos de comunicação, como a Veja, Folha de São Paulo e a Globo. A esposa de Ayres faleceu em 2007 por causa de um câncer; Maurício e Ayres receberam ressarcimentos de algumas empresas, no entanto ainda aguardam a indenização do Estado. Embora tenham sido ressarcidos, eles continuam com problemas financeiros e abalados psicologicamente, visto que a suas vidas foram completamente arrasadas pela polícia, imprensa e sociedade.

Paula foi a única que não recebeu nada e está correndo risco de que seu processo prescreva. Atualmente, ela mora em sua casa depredada, tem problemas de saúde, emocionais e financeiros. Ela nunca conseguiu outro emprego.



A mídia que constroi é a mesma que destroi

É perceptível que nós, profissionais da comunicação, temos um considerável poder de influência sobre a sociedade. A partir do momento no qual damos, arbitrariamente, uma sentença a determinado caso, fazemos com que inúmeras pessoas tomem isso como verdade absoluta e saiam reproduzindo tais informações.

A Escola Base é um exemplo de má apuração e falta de ética. Na corrida pelo furo de reportagem, vários jornalistas divulgaram informações equivocadas que destruíram, para sempre, a vida dos acusados.



Dentro dessa abordagem, deve-se ressaltar o Diário Popular – atualmente Diário de São Paulo – por sua postura cautelosa. O jornal foi o primeiro a ter conhecimento sobre as acusações, mas preferiu esperar para que houvesse uma maior checagem dos fatos.

O então editor, Miranda Jordão, ordenou que fosse publicada apenas uma matéria com informações técnicas sobre o que estava acontecendo. Sendo assim, foi forte a pressão que a redação do jornal sofreu por não ter divulgado nada a respeito do episódio. Alguns até suspeitaram de um acordo entre o Diário e a escola para diminuir a proporção do ocorrido.

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Hoje, o caso Escola Base se tornou referência obrigatória nas discussões a respeito de ética no jornalismo e poder da mídia. Infelizmente, seis pessoas precisaram ter suas vidas devastadas para que essas reflexões fossem mais frequentes.

Por isso, temos que observar essa história como um modelo negativo de se fazer jornalismo. Afinal, se o poder que temos em nossas mãos – na figura de comunicadores – é grande, a responsabilidade que o acompanha deve ser ainda maior.

“De fato, se a imprensa diária, tal como acontece com outros grupos profissionais, tivesse de pendurar um letreiro, seus dizeres deveriam ser os seguintes: aqui, homens são desmoralizados com a maior rapidez possível, na maior escala possível e ao preço mais baixo possível.” (Sorel, 1848). Confira a primeira parte deste artigo: O Caso Escola Base (1ª parte)

Por Alice Andrade.




Leia também:

– Livro ensina maneira prática de escrever um texto jornalístico em português bem claro

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Perfil de Alice Andrade

Sou estudante do terceiro período de Jornalismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Entre minhas áreas de interesse, figuram o campo do jornalismo impresso, revistas e pesquisa. Se pudesse definir um momento histórico favorito, seria a criação da prensa móvel por Gutenberg. Atualmente, sou administradora do Blog Fala, foca! na companhia de três amigos. Adoro ler, contar histórias nas minhas matérias e poder trabalhar com essa “paixão insaciável que só se pode digerir e humanizar mediante a confrontação descarnada com a realidade.

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19 COMENTÁRIOS

  1. Parabéns pelo artigo! Se todos os jornalistas tivessem a ética que você demonstra ter, a qualidade das informações seria muito maior e o resultado seria mais justo, mas infelizmente o que mais temos por aí é mídia comprada , e isso me faz a cada dia desacreditar mais e mais nos noticiários e nas denúncias, bem como no poder público que afim de mostrar algum tipo de serviço, toma atitudes destrutivas justamente a quem deveria ser protegido.

  2. Parabéns pelo artigo, muito claro, simples e rico em detalhes. Eu estou fazendo meu TCC sobre este caso, voltado para o direito. Como a mídia interfere no Tribunal do Juri. Gostaria de saber se vcs tem alguma coisa a mais para me ajudar, algum material a mais. Detalhes do julgamento. Porque pouco se sabe sobre este caso, pois fazem muitos anos que ele ocorreu. Se puderes me ajudar, agradeço muito. Segue meu e-mail para contato. lara,[email protected] att, Lara

  3. Será que se passa na cabeça das duas mães pra inventar uma história dessas? De onde tiraram isso? E a tal psicóloga Walquiria Fonseca Duarte que até hoje, no que deu a entender a reportagem, sustenta a tese de que as crianças foram mesmo violentas, como ainda tem coragem de afirmar isso, mesmo depois da inocência comprovada? Será que o orgulho profissional é tão grande assim, que é melhor fazer falsa acusação a admitir que errou? Em reportagens por ai muito jornalista assumindo o erro, mas nenhuma declaração dessa psicóloga… É isso mesmo ou ela chegou a fazer alguma retratação, declarando equívoco, pedindo desculpas?

  4. Parabéns. Um dos textos mais completos que encontrei sobre o assunto. Conta a história do início ao fim (ou quase fim, afinal as consequências seguem até hoje).

  5. infelizmente vivemos em uma sociedade aonde a falta de investigação condenam vários inocentes por falta do trabalho capacitado dos profissionais das respectivas áreas.aonde podiam estar investigando o que tem prova o suficiente para condenar e punir….o que não falta em nosso país….

    • Olá, José!

      Tudo bem? Temos dois textos aqui na Casa dos Focas que tratam resumidamente sobre o caso da Escola Base. O que você precisa especificamente? Em breve divulgarei o livro que escrevi sobre o caso 20 anos depois. Com certeza irá gostar. Fique ligado! 🙂

  6. Quanto ao Diário Popular há uma imperfeição na narrativa. Na verdade, não houve qualquer determinação do Diretor de Redação, Miranda Jordão, para que fosse publicada qualquer matéria. O que houve foi que, ao retornar à Redação, com a matéria apurada, tive uma pequena reunião, no aquário, com Miranda e o editor, Paulo Breiten. Fui eu quem disse que não havia provas e propus escrever um texto técnico, com denúncia e defesa, em cada parágrafo. Defendi anão publicação da matéria, pois se tratava de crianças e a vida de pessoas, sem prova cabal. escrevi a matéria e deixei na Redação para decisão final do Diretor. Porém, da forma que fiz, e sempre fui repórter incisivo, duro e definitivo no texto, sabia que aquela não era uma matéria publicável. O único texto que saiu foi uma notinha de cinco linhas que escrevi, em resposta a um leitor que acusava o jornal de ter se vendido na história, por não ter publicado o caso.
    ANTÔNIO CARLOS SILVEIRA
    REPÓRTER

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