Falar em público é um risco mesmo para quem está acostumado. Há uma série de fatores que podem fugir das mãos tanto do promotor do evento, quanto do convidado. É mais seguro levar o discurso pronto especialmente se for um encontro para tratar de temas técnicos. Ainda assim, é preciso treinar a leitura do texto. Ler de primeira é um risco desnecessário. Só quem trabalha todo dia com locução é capaz de “ler de primeira” com grande chance de se sair bem. Assim mesmo, vez por outra, surge um gato no caminho e tome correção. Um nome estrangeiro, por exemplo, é um bom motivo para uma mancada de leitura. Ou palavras que não se sabe exatamente qual é a sílaba tônica: ‘gratuito’ ou ‘gratuíto’? Meu corretor diz que é gratuito. Se o texto trata de números o cuidado sempre tem que ser maior. Já vi redator trocar milhões por bilhões. A forma de abreviação desses valores também varia muito de um escrevinhador para outro. Como vou ler 2,4 milhões???? Seria 2 bilhões e 400 milhões? A primeira forma está correta, mas em uma leitura em um seminário, ou entrevista coletiva, um erro desse pode ser fatal para a comunicação. O pior de tudo é que essa gafe, em geral, provoca o chamado efeito manada: um publica e todo mundo vai atrás. Ir checar se está correto ou não, não é o forte dessa categoria a qual pertenço.
A possibilidade de um novato no cargo errar é bem maior. Suponha que ele diga que gostaria que no Brasil vigorasse a mesma quantidade de horas de trabalho que na França. Lá, diz ele, se trabalhava 36 horas por semana, mas devido à crise, perda de competitividade e produtividade foi necessário estender o número de horas. Foi para 80 horas semanais. Obviamente que esse número provocou forte reação e foi amplamente divulgado. O autor levava a carga de trabalho de volta para o início da Revolução Industrial inglesa, no final do Século 18. É verdade que, naquela época, os operários chegavam nas fábricas de madrugada e saiam à noite. Os homens foram demitidos quando os empresários descobriram que poderiam pagar metade do salário para a mulher. Ou que os dedos delicados de uma criança eram adequados para arranjar os fios de seda em uma máquina de tecer. A própria fonte se encarregou de corrigir ao explicar que o número correto de horas trabalhadas na França era de 60 e não 80. Mesmo assim, essas 60 horas são pagas como 8 normais e até 4 horas extras. Total de 12 por dia, 60 por semana. Ah, bom… Ainda assim esqueceram de informar que o número exato de horas normais é de 35 e não 36. Mais uma vez deixamos de lado a checagem.
Diante dos exemplos apresentados, talvez, seja melhor falar de improviso. Deixar de lado no púlpito aquele papelucho escrito pela assessoria e falar o que vier do coração. Mesmo em uma exposição de arte, como as estátuas de adobe chinesas. Aquelas em tamanho natural que assombraram o mundo quando foram encontradas. Em um evento como esse nada melhor que dar um mergulho na história da China e contar aos convidados, boquiabertos, que Napoleão Bonaparte tinha estado em Pequim. Contextualizar que quando o corso invadiu a China o mundo tremeu, e todos se lembraram do ditado: “deixem a China dormir, porque se acordar…” em poucos minutos o rei do improviso mudou a história não só da França, da Europa, da China como do próprio Napoleão. Certamente ele não sabia que tinha estado no império do meio, conhecido Pequim, e quem sabe ter o futuro descortinado em um horóscopo chinês. Os convidados para a exposição, conhecedores da história das estátuas, riram discretamente, afinal o historiador recém descoberto era a mais alta autoridade do país. Uma mancada muito grande pode ser identificada no primeiro momento, mas como o caso em tela, ninguém se arriscaria a corrigir o palestrante. No mais das vezes toma-se por verdade e fim de papo.
Por Heródoto Barbeiro
Perfil de Heródoto Barbeiro
Heródoto Barbeiro é jornalista, âncora do Jornal da Record News e do R7, diariamente as 21h. Ex-apresentador do Roda Vida da TV Cultura e do Jornal da CBN. Autor de vários livros na área de treinamento, história, jornalismo e budismo.