Um dos três venenos é o ódio, diz o budismo. Nem por isso houve nenhuma reação dos grupos budistas quando o grupo Talibã apontou peças de artilharias contra montanhas no Afeganistão. Destruíram reproduções budistas antigas esculpidas nas encostas. O motivo dos fundamentalistas islâmicos é que não admitem estátuas, é um sacrilégio em sua visão. Contrapõem o ensinamento islâmico, segundo eles. Por isso precisam ser destruídos. A fúria iconoclasta não é privilégio do Islão, em vários momentos da história houve uma guerra contra os ícones, como no Império Bizantino, na Idade Média. O imperador Leão III, ficou conhecido como o Iconoclasta quando mosaicos, afrescos, estátuas de santos, pinturas, ornamentos nos altares de igrejas, livros com gravuras e inumeráveis obras de arte foram destruídos. Outras denominações religiosas também não admitem estátuas, construíram seus templos sem elas e não destruíram as dos outros.
O ódio que o Estado Islâmico demonstrou ao arruinar sítios arqueológicos da antiga Mesopotâmia não se limita a destruição de estátuas. Derrubaram figuras em baixo relevo, marretaram a pedra lavrada, movimentaram pás carregadeiras para levar tudo o que consideraram entulho para que nada pudesse ser aproveitado, nem recuperado. Dinamitaram a ruína de Ninrod, uma antiga cidade militar construída pelo rei assírio Assurbanipal, aproximadamente 1500 a.C. Portanto um monumento com 3500 anos de idade. Não satisfeitos filmaram tudo, puseram na internet para mostrar a todo o mundo o que são capazes de fazer em nome da religião. Reis, deuses, leões, muralhas, guerreiros, carros de guerra, cavalos de pedra viraram pó. Só não mostraram a comemoração dos vândalos por ter acabado com o que restava dos ímpios. O trabalho foi realizado e é possível que chefes e soldados se sintam agora mais próximos do paraíso. Completaram a obra em nome de Deus.
Certamente todos os sítios históricos do atual Iraque estão fotografados, desenhados, e avaliados pelos historiadores. Nenhuma imagem desse período antigo da história da humanidade vai se perder. As obras mais importantes estão à salvo em museus do mundo. E se um dia for possível se poderá reconstruir tudo com o mesmo material, a mesma estética, nos mesmos sítios arqueológicos, apenas com mãos diferentes. A ação de barbárie perpetrada pelos fanáticos do Estado Islâmico não atingiu diretamente nenhum povo. Atingiu toda a humanidade. O que foi destruído contava uma parte da construção da civilização como a conhecemos hoje. Não foi uma ação iconoclasta apenas, foi uma fúria contra todos. Um ódio inominado. Assim como são capazes de decapitar prisioneiros e exibir com requinte nas redes sociais, são capazes de destruir o que o resto do mundo considera um tesouro. Os fundamentalistas não lutam contra um inimigo, lutam contra qualquer ser humano que não se submeta aos seus preceitos medievais. Espalham o ódio, a destruição, o desencanto e o desejo de voltar para a barbárie. Todos os povos foram atingidos com a destruição dos monumentos no Iraque. Conseguiram, conscientemente ou não, se igualar aos assírios, temidos no mundo antigo pela crueldade com que tratavam os seus inimigos. Em tempo, a história não se repete.
Por Heródoto Barbeiro
Perfil de Heródoto Barbeiro
Heródoto Barbeiro é jornalista, âncora do Jornal da Record News e do R7, diariamente as 21h. Ex-apresentador do Roda Vida da TV Cultura e do Jornal da CBN. Autor de vários livros na área de treinamento, história, jornalismo e budismo.