Getúlio Vargas estava enfurnado em sua estância, em São Borja, de onde monitorava a política nacional. Recém derrubado por um golpe de Estado, depois de 15 anos de governo, a maior parte dele ditatorial. Aparentemente queria se isolar, ficar só, meditar e esperar uma morte tranquila com a consciência do dever cumprido. Contudo os jornalistas não o largavam. Arrumavam caronas em aviões ou iam balançando 500 quilômetros desde Porto Alegre para buscar uma palavra de um homem odiado por uns e amado por outros. A pleno galope ia a campanha para presidência da república. De um lado o candidato germanófilo, traidor, conspirador Eurico Dutra, do PSD, responsável principal pela sua deposição. De outro o brigadeiro Eduardo Gomes, apoiado pela UDN e acusado de liderar um retrocesso em todas as conquistas sociais obtidas pelos trabalhadores durante o Estado Novo.
Vargas vivia enxovalhado pela imprensa. A maioria esmagadora da mídia se esforçava para mostrar a sua verdadeira face: um fascista, caudilho e demagogo. A mesma mídia que mandava jornalistas em São Borja para arrancar uma única frase do ex-ditador. Vários vieram. Suas declarações se transformavam em manchetes. O volume de pessoas na porta da fazenda Santos Reis aumentou tanto que quando disseram a Getúlio que tinha chegado mais um estranho de avião ele disse “Se for jornalista, enforca”. Tudo isso é contado magistralmente pelo Lira Neto, no terceiro volume de Vargas (Cia das Letras). Um grande paradoxo, os mesmos que atiravam lama na imagem do caudilho, davam-lhe dimensão nacional. O brigadeiro era favorito sobre o general. O candidato comunista não tinha chance. O banquete da oposição estava pronto. No momento que os convivas iam partir para o ataque puxaram a toalha e tudo foi para o chão. Vargas apontou o dedo a favor do general e Dutra foi eleito democraticamente.
O amor e ódio entre os governantes e os jornalistas só não existe se houver uma caixinha entre eles. Ou se valer a máxima do grande ideólogo da Bahia, Antonio Carlos Magalhães, que dizia que “não dê notícia para jornalista que quer dinheiro, não dê dinheiro para jornalista que quer notícia”. Os profissionais sabem da importância social de sua profissão não aceitam afagos, empregos, benesses, propinas, nem convites para o final de semana. Podem com autonomia refletir sobre a definição de Millor Fernandes que jornalismo é oposição, o resto é armazém de secos e molhados. Governantes que não concordam com opiniões, reportagens, interpretações partem para o contra ataque. Uns pedem para o dono do veículo demiti-los. Outros descobriram que a rede é uma metralhadora para fuzilá-los. Nada de mandar enforcar. É preferível inventar uma série de calúnias contra o jornalista e desmoralizá-lo. O embate saí do campo das ideias, das convicções, das certezas e cai no campo do ataque pessoal. Hoje muito mais eficiente com o campo aberto pela internet.
Por Heródoto Barbeiro
Perfil de Heródoto Barbeiro
Heródoto Barbeiro é jornalista, âncora do Jornal da Record News e do R7, diariamente as 21h. Ex-apresentador do Roda Vida da TV Cultura e do Jornal da CBN. Autor de vários livros na área de treinamento, história, jornalismo e budismo.