Sem destino

Foto: Marina Militare / Fotos Públicas (21/07/2014)
Foto: Marina Militare / Fotos Públicas (21/07/2014)

Está em curso mais um genocídio no mundo. As vítimas são os rohingyas. Eles são considerados os povos mais perseguidos do mundo, segundo a ONU. Uma minoria sem amigos e sem terra. A última violência que sofreram foi a expulsão das terras que ocupavam no sul do Mianmar, onde estavam confinados no estado de Rakhine, sem qualquer tipo de assistência, nem mesmo humanitária. São considerados apátridas, invasores, indesejáveis, verdadeiros párias, ou inexistentes, pelos governos das regiões. Sem ter para onde ir lançam-se no mar em embarcações precárias e são vítimas de traficantes de escravos. São uma minoria muçulmana de 800 mil pessoas e isso é mais um motivo para a perseguição. Para Mianmar são imigrantes clandestinos que vieram de Bangladesh e não tem permanência legal no país. Os botes apinhados de rohingyas, sem água, sem comida, são empurrados da Tailândia para a Malásia, de lá para a Indonésia, de volta a Mianmar, enfim, uma perseguição que não se justifica. Os sobreviventes do mar são confinados em campos de refugiados.

O fato dos rohingyas não pertencerem a maioria budista de Mianmar não justifica a violência contra eles. O governo local é herdeiro de uma ditadura sanguinária de militares que dominou o país durante 40 anos. Sob o pretexto de implantar um estado igualitário comunista, de inspiração soviética, praticaram toda sorte de violência contra a população e os que se insurgiam contra a falta de liberdade. A repressão era violenta, com muitas mortes nas ruas da capital Yangoon, antiga Ramgoon, da época da colonização britânica. Só recentemente o país recuperou a liberdade de imprensa e de formar partidos de oposição, ainda assim com a vigilância dos militares herdeiros do poder. Para atrair turistas Mianmar, que tem tesouros incontáveis especialmente no norte, em Bagan, onde estive, se abriu ao mundo. Agora é preciso que a ONU saia em defesa dessa minoria cuja vida depende das rústicas embarcações que vagam no Índico e no Pacífico, ao sabor do destino e sem amparo de quem quer que seja.

Não se justifica uma religião perseguir povos de outras crenças. Isto se contrapõe ao cerne de todas elas que é a tolerância. Mais grave ainda por se tratar de budistas perseguidores. Vai de encontro aos ensinamentos do próprio Sidarta, o Buda, que ensinou durante 40 anos que ninguém tem o direito de interferir na crença alheia, nos caminhos que cada um escolheu para a sua espiritualidade, seja ela islâmica, cristã, judia, animista ou qualquer outra. Ser budista é ser tolerante acima de tudo e tratar as agruras dos outros com compaixão. Não é isso que acontece em Mianmar, há intolerância, violência, mortes em nome de se expulsar uma minoria. O Buda e seus seguidores eram uma minoria na Índia quando fundaram o budismo. Foram perseguidos e por isso a religião se espraiou para o sudeste asiático, onde está Mianmar. Salvar os rohingas é um dever de todos, da humanidade. E os budistas como eu, espalhados pelo mundo, temos o dever moral de denunciar a violência como um crime contra a humanidade, contra os ensinamentos deixados pelo Buda. É um genocídio que não pode continuar. Não se pode esperar para denunciar como se fez na guerra que ninguém acreditou que os nazistas massacravam judeus, ciganos e outras minorias na sua sanha de construir a superioridade do que chamavam de raça ariana.

Por Heródoto Barbeiro

Perfil de Heródoto Barbeiro

Heródoto Barbeiro

Heródoto Barbeiro é jornalista, âncora do Jornal da Record News e do R7, diariamente as 21h. Ex-apresentador do Roda Vida da TV Cultura e do Jornal da CBN. Autor de vários livros na área de treinamento, história, jornalismo e budismo.

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